Mais uma vez o
tema “legado” volta às nossas discussões. Tenho tido uma imensa preocupação com
o “day after” das nossas megaventuras
esportivas internacionais dos próximos três anos. Desta vez, o foco é sobre os
treinadores esportivos brasileiros. O que nos deixam de legado? Em anos
recentes tivemos a (ingrata) oportunidade de ler e ouvir críticas sobre estes
profissionais, que eles não estudam, que eles não se atualizam, etc, etc. Isso
não é verdade! Não sei quanto às outras modalidades, e até tendo a desconfiar
que isso seja um fato no futebol, por exemplo, mas no basquetebol brasileiro
posso afirmar sem medo de errar que nossos treinadores estudam e se atualizam. Cada
um a sua maneira, a maior parte sempre busca informações para aprimorar seu
conhecimento e melhorar a performance de seus atletas e equipes.
As formas de
atualização contemplam desde a maciça participação em cursos, clínicas e
estágios não só no Brasil como também no exterior, até a aquisição de livros,
acesso a sites e participação em grupos de discussão de técnicos via e-mails ou
redes sociais. Vários treinadores detém a arte de perceber as mudanças surgidas
no estilo de jogo de equipes diferentes ao assistir os campeonatos
internacionais pela televisão ou in loco.
Estes profissionais não são torcedores que vão aos ginásios para admirar
jogadas espetaculares, mas sim profundos observadores da tática, da estratégia,
do uso dos fundamentos e do comportamento de técnicos, atletas e árbitros, elementos
que visam à melhora do seu rendimento profissional.
Por tudo isso acima, não concordo
com a crítica de que nossos treinadores não estudam. Nossos treinadores leem
bastante. Só não escrevem. Essa, para mim, é a principal falha. É onde permitimos
escapar gradativamente a oportunidade deixar um legado esportivo para as
gerações atuais e futuras do esporte brasileiro. Temos treinadores de alto
nível nas mais variadas modalidades esportivas, mas com raríssimas exceções,
nenhum publica seus conhecimentos. Certa vez, conversei com um treinador de
basquetebol sobre a possibilidade de ele escrever um livro sobre seu aprofundado
conhecimento do esporte e ele se sentiu quase ofendido, chegando a perguntar se
eu era maluco! A razão apresentada por ele para a recusa era que ele não queria
“entregar o ouro para o bandido”.
Pois é...será que esse é mesmo o espírito? Será que essa é a razão para não “mostrarmos o que fazemos de verdade na
quadra”?
Penso que isso tenha um fundo
cultural. Nos EUA, por exemplo, é praticamente uma questão de honra e prestígio
no meio profissional mostrar o que se sabe e o que se faz. É mais do que comum os
treinadores publicarem artigos e livros, alimentarem sites e grupos de
discussão, e até possuírem canais de vídeo no Youtube, dando dicas de ensino de
fundamentos, de táticas defensivas e ofensivas, e tudo mais. Mostrar o que
sabem nunca foi considerado por lá “entregar
o ouro ao bandido”! No de 1994, o então técnico do Chicago Bulls, Phil
Jackson, esteve no Rio de Janeiro para participar de um evento e ministrou uma aula
teórica e outra prática demonstrando com detalhes o sistema de jogo ofensivo
que ele adotava em sua equipe (triangle
offense). Não foi algo superficial para tapear os espectadores e fingir que
os ensinava. Foi legitimamente o ataque do Chicago Bulls. Quem assistiu às
aulas e costumava ver o time jogar, sabe que não faltou nada sobre o assunto.
Digite qualquer elemento do jogo
de basquete no Google ou no Youtube e você descobrirá uma infinidade de sites,
livros, artigos e videoaulas bem explicadas e detalhadas sobre seu assunto. No
Brasil, com exceção do livro “Basquetebol:
sistemas de ataque e defesa” do Prof.º Walter Carvalho e do livreto (sem editora
ou ISBN) “Os dez mandamentos do
basquetebol moderno” do Prof.º Waldir Boccardo, todos os demais treinadores
que publicaram livros por aqui se dedicaram à iniciação esportiva, mesmo aqueles
que só trabalham com o alto rendimento.
O Brasil, como uma pretensa potência
olímpica em desenvolvimento, precisa aprender a passar a informação que
adquiriu ao longo dos anos pelos mais variados meios para multiplicar e
perpetuar o conhecimento.
CARVALHO, W. Basquetebol:
sistemas de ataque e defesa. Rio de Janeiro: Sprint, 2001.
BOCCARDO, W. Os dez mandamentos
do basquetebol moderno. (encomenda via www.bolar.com.br)