quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Os Times que Mudaram o Jogo


Acabei de ler o livro “Dream Team” do jornalista americano Jack McCallum. O livro apresenta como subtítulo “O time que mudou o jogo”. Obviamente, o livro versa sobre a seleção americana de basquetebol dos Jogos Olímpicos de Barcelona em 1992. A cada capítulo, um universo bastante diferente de informações é destacado, e em função disso, cabe perguntar: eram eles atletas ou artistas? O que faziam exatamente nos Jogos Olímpicos? Declarações da época indicavam que o torneio de verão seria tratado como férias olímpicas. E pelo visto, foi isso mesmo. Não havia preocupação com jogos ou adversários (exceto a Lituânia), nada de horários rígidos para dormir ou se levantar, nada de fiscalização sobre as atividades noturnas, sociais e etílicas do grupo. Os chamados “dreamers” jogaram muito mais pôquer e golfe do que basquetebol na Espanha. Ainda assim, os adversários não fizeram nem sombra, sendo invariavelmente derrotados por uma média superior aos 40 pontos de diferença, o que denota o imenso distanciamento do esporte profissional americano do resto do mundo à época.

A concepção de time dos sonhos pode ser interpretada de várias maneiras. Penso que a participação de alguns jogadores como Larry Bird, por exemplo, deveu-se mais ao conceito de time dos sonhos do que o mérito da época. Pra se ter uma ideia, ao ser perguntado sobre a possível aposentadoria após os Jogos, Bird respondeu “Já estou aposentado faz tempo; vocês é que ainda não perceberam!”. Ele não tinha condições físicas de jogar devido a uma lesão lombar crônica. Mas isso não importava. Não haveria um time dos sonhos sem Larry Bird no elenco. Na verdade, este time mais parecia a reunião dos Três Mosqueteiros (Magic Johnson, Larry Bird e Michael Jordan) e D’Artagnan (Charles Barkley). Pelo menos, assim eles se manifestavam.

A entrada dos profissionais da NBA mudou um tanto quanto a ótica (hipócrita) do Comitê Olímpico Internacional acerca do impedimento da participação de atletas profissionais. Vários atletas de diferentes modalidades já eram profissionais do esporte há tempos, mas não recebiam esta alcunha. A partir disso, muita coisa mudou no cenário esportivo internacional. Contudo, a ideia de que o Dream Team modificou o jogo é para mim apenas parcialmente verdadeira. Acredito que outros dois times anteriores a este foram os responsáveis iniciais pela grande mudança do esporte: Brasil (Jogos Panamericanos 1987) e URSS (Jogos Olímpicos 1988).

Os Jogos Panamericanos surgiram em 1951 e os EUA ganharam ouro nas primeiras cinco edições do torneio de basquetebol. A primeira vez que isso não aconteceu foi em 1971, em Cali, por conta de um desempenho abaixo do normal. Em sua campanha, os EUA venceram o Suriname por 80 pontos de diferença, e o Brasil na prorrogação (81 x 79), mas perderam para Cuba (69 x 73), sendo eliminados pelos critérios de desempate ainda na primeira fase da competição. O resultado foi tão fraco que apenas três jogadores foram mantidos na equipe que veio a perder a controversa final Olímpica em Munique no ano seguinte. Cabe destacar que apesar disso, 17 dos 21 atletas destas duas competições tornaram-se profissionais da NBA ou da ABA. O Brasil sagrou-se campeão naquele ano. As três edições seguintes dos Jogos foram voltaram a representar a hegemonia do basquetebol norte-americano, com mais três ouros conquistados. Até que chegamos em 1987, em Indianápolis, considerada na ocasião uma espécie de “Capital Mundial do Basquetebol”.

A final colocava frente a frente os donos da casa e a equipe brasileira, comandada pelo técnico Ary Vidal, um dos principais estrategistas do basquetebol brasileiro. Na volta do intervalo, o Brasil perdia por 15 pontos de diferença e dava clara impressão de que a situação já estava decidida. No segundo tempo, porém, os arremessos certeiros de Oscar Schmidt e Marcel de Souza reverteram o resultado e definiram o placar do jogo: EUA 115 x 120 Brasil. Essa foi a primeira vez que o basquetebol americano foi derrotado em seu próprio país.




Um ano depois, os Jogos Olímpicos de Seul (1988) marcaram o retorno das nações polarizadas pela guerra fria e parcialmente ausentes nos Jogos de Moscou (1980) e Los Angeles (1984). EUA e URSS se encontraram nas semifinais, e apesar de novamente contar com um elenco repleto de futuros astros da NBA, os EUA perderam a chance de brigar pelo ouro: URSS 82 x 76 EUA, e precisaram se contentar com o bronze. Este time soviético formou a base da equipe da Lituânia em 1992, e, por esta razão, foi a única equipe em Barcelona a ganhar pequenas doses de preocupação do técnico Chuck Daly e sua trupe dos sonhos.





Até então, a geração de David Robinson vinha sendo marcada pelo fracasso nas competições internacionais. Muito embora haja um desdém da crítica esportiva americana acerca da derrota de Indianápolis (isso é muito evidente no livro de McCallum), o fato é que esse foi o primeiro sinal de que mudanças eram necessárias. A derrota em Seul, por sua vez, deu tons claros aos criadores do basquetebol de que a modalidade já não estava mais sob seu domínio. Foram vencidos em 1987 por um time que jogou melhor, mas em 1988, foram vencidos por time efetivamente melhor! As reuniões entre Boris Stankovic (FIBA) e David Stern (NBA) não poderiam ocorrer em momento mais propício. Stankovic queria elevar o basquetebol internacional ao nível dos profissionais americanos; Stern queria aumentar a visibilidade (e garantir mais lucro) à NBA; e os EUA haviam perdido as duas últimas competições disputadas com seus atletas universitários.

Não vou me ater a falar aqui sobre o indiscutível impacto que o Dream Team causou no esporte como um todo (penso que não apenas no basquetebol), pois preferi dedicar este espaço para enaltecer outros responsáveis pelas mudanças ocorridas no basquetebol internacional e que não podem ser esquecidos pela história.

6 comentários:

  1. O texto remete a lembranças esportivas históricas.
    Excelente abordagem do assunto.
    Independente do motivos, interesses ou quem estabeleceu a virada do jogo, o dream team cumpriu seu papel basquetebolistico e pq não dizer, tornou-se referencia e ganhou status mitológico.

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    1. Olá Guilherme!

      Obrigado pela visita ao É Cesta!

      Concordo com você que esse foi o mais fantástico time de basquetebol de todos os tempos. E por isso, achei no mínimo estranhas as tentativas de chamar o time que foi a Londres 2012 de novo Dream Team. Dream Team pra mim foi o primeiro. Depois disso, o "sonho" já havia sido realizado. Até Barcelona 1992, nós não achávamos viável existir um time que pudesse reunir as maiores estrelas do basquetebol do planeta. Hoje, sabemos que isso é natural. A seleção americana nos Jogos Olímpicos de Londres provou ser o candidato mais qualificado ao ouro entre todos os adversários, mas vê-los reunidos em quadra não era um sonho para nós.

      Forte abraço!

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  2. Marcos, não consigo vir sempre aqui comentar, mas hoje parei pra ler e tecer meus comentários. Muito legal tua postagem, parabéns! Lembro bem desse time, foi quando comecei a me "fascinar" vendo esportes na televisão. E o "Dream Team" era um fascínio mesmo, não jogava, brincava! Um nível de profissionalismo acima de qualquer outra equipe/nação, mostrando que não é só a partir do treinamento que se formam atletas... Lembro de um professor de "Psicologia do Esporte" na UFSC, quando fiz a disciplina, que dizia (e eu ficava refletindo a respeito): "Vai chegar o dia que muitos atletas vão ver que não precisam treinar fisicamente tanto assim como treinam, e que a concentração ou as estratégias mentais farão mais diferença!" Ainda hj penso nisso. Mas em relação ao Dream Team, é porque eles eram únicos mesmos! típicos de uma época, como talvez Messa seja hj, quem sabe Neymar (se a seleção brasileira for bem na próxima Copa...), como foram tantos outros atletas que mostram um nível acima dos demais. Legal também vc relembrar o Ary Vidal, pois, lembro, quando adolescente, ele treinava um time em Santa Cruz do Sul/RS, e o basquete, na Globo local (RBS/TV), tinha espaço nos programas locais juntamente com o futebol (dupla Gre-Nal, dupla Ca-Ju, e o futebol do interior), com o vôlei (havia a Frangosul, depois a Ulbra, UCS etc...). Hj não vejo mais isso! só dá futebol! Não jogo basquete, mas penso ser uma das modalidades mais emocionantes e plásticas que existem. Continue trazendo essas discussões... o caminho é esse! um abraço, Cristiano!

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    1. Olá Cris!

      Obrigado por mais uma visita comentada no É Cesta!

      Muita gente passou a jogar ou simplesmente apreciar o basquetebol por causa daquele time. Mas, mais do que isso, penso que eles mudaram a cara do esporte em geral, desmistificando o profissionalismo no esporte olímpico.

      Ah, tenho alguns jogos do Pitt Corinthians e Arcal Corinthians de Santa Cruz do Sul gravados na íntegra. Se você quiser posso disponibilizá-los.

      Forte abraço!

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    2. Olá!

      Sou de Santa Cruz do Sul e vivenciei por completo a melhor época do basquete do Corinthians. Tenho muito material em VHS e alguma coisa já digitalizei e postei no Youtube. O que exatamente você teria? Já está digitalizado?

      Fiquei muito curioso e agradeceria demais por qualquer coisa que você tiver. Seguem links de 2 canais no Youtube com vídeos do Corinthians:

      http://www.youtube.com/playlist?list=PL6270424A3E5FD69B

      http://www.youtube.com/user/CorinthiansRS

      Forte abraço!

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  3. Olá!

    Por onde anda o pessoal do blog?

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