quarta-feira, 28 de novembro de 2012

A Polêmica das Bolas


Há poucas semanas li no twitter um comentário de um dirigente do E.C. Pinheiros acerca da preocupação por estar disputando três competições simultaneamente e que adotam diferentes marcas de bolas. Qual o problema disso? Na verdade, muitos! As três competições são o Campeonato Estadual Paulista (finais), Liga Sulamericana (fase semifinal) e o Novo Basquete Brasil (início da fase regular). As bolas são Pênalty (Campeonato Paulista), Molten (Liga Sulamericana) e Spalding (NBB). Pode parecer besteira, mas na verdade não é. A regra da FIBA não determina um único tamanho e peso da bola para a categoria adulto, por isso são permitidas variações de peso entre 567 g e 650 g, e circunferência entre 749 mm e 780 mm.

Estas diferenças parecem ser pequenas, mas de fato trazem modificações importantes na forma de segurar a bola e também na força aplicada para driblar (controlar), passar e principalmente arremessar a bola à cesta. Desconsiderar estas características é um equivoco que precisa ser evitado. Outra questão interessante é relativa ao material de confecção da bola. A textura do tecido que reveste a bola pode aumentar ou não o chamado grip, ou seja, a aderência da mão à bola. Temos um melhor controle com uma bola com menor circunferência e melhor grip, o que favorece os dribles e fintas, e os rebotes, por exemplo. Por outro lado, apesar dos arremessos de longa distância ficarem mais fáceis, o ajuste neuromuscular que deve ser feito pode comprometer a precisão. Vamos entender que quando treinamos de forma repetitiva um mesmo gesto motor, a tendência é que acabemos por determinar uma espécie de “memória motora inconsciente” (conhecido como engrama motor). Essa memória motora permite que façamos um movimento sem pensar, de forma automática.

Por exemplo, nos Jogos Panamericanos de Indianápolis em 1987, o treinador do time brasileiro, Prof. Ari Vidal, exigia que seus jogadores executassem após cada sessão de treino, 500 arremessos convertidos das suas posições convencionais de arremesso em quadra, em situação de jogo, inclusive marcado e em aro menor. Na final contra os EUA, os arremessos certeiros de Marcel de Souza e Oscar Schmidt foram o ponto de equilíbrio da equipe brasileira. O engrama motor estava tão bem estabelecido que as várias situações que surgiram ao longo da partida não ofereciam surpresas para os atletas. Contudo, este registro neuromotor pode ficar abalado se a cada vez que se treinar ou jogar for utilizada uma bola com dimensão e peso variados. Assim, é possível que o arremessador aplique força demais quando tentar um arremesso e a bola acerte sempre o fundo do aro, mas não a cesta perfeita, ou aplique força de menos e a bola nem alcance o aro.

Por fim, o material de confecção da bola pode apresentar variações no coeficiente de restituição, o que diretamente altera o controle da bola durante o drible e as fintas. Sucintamente, este coeficiente representa a modulação da velocidade do objeto (no caso, a bola) antes e depois de uma colisão com outro objeto (piso, por exemplo). Isso, claro, sem levar em consideração a calibragem da bola, mas que nada tem a ver com o fabricante.

Deste modo, penso que a preocupação do diretor do E.C. Pinheiros é pertinente. E merece atenção das autoridades ligadas ao comando administrativo do basquetebol.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

E Quando a Estrela Não Brilha?


Talvez com uma ou outra exceção, todas as equipes têm em seus elencos um ou dois jogadores considerados como as “estrelas” do time. São jogadores em quem o restante do time possui uma confiança tão grande que naqueles momentos de baixo desempenho geral e perda de controle emocional na partida a melhor opção é sempre passar a bola para eles. As chamadas estrelas agem como o porto seguro da equipe dentro da quadra. Apesar disso, sua principal característica não é necessariamente a liderança, mas sim a sua autoconfiança. São os jogadores cuja probabilidade de erro nos momentos decisivos é menor do que quando se compara com os demais companheiros de time. E tudo isso ocorre independentemente de faixa etária, gênero, e nível técnico das equipes. Sempre alguém joga melhor ou tem mais autoconfiança do que os outros dentro de uma equipe esportiva. O problema é “quando a estrela não brilha”, o que fazer?

Essa talvez seja uma das mais difíceis tomadas de decisão do técnico. Seu principal jogador não se encontra em um dia favorável, mas ao mesmo tempo, é o cara em quem todos confiam. Será que nestas condições é ele quem deve tentar a última cesta? E este arremesso final pode ser feito de qualquer maneira, mesmo desequilibrado, como se ele obtivesse uma espécie de “licença poética” para tentar o que quiser na quadra? Não existe uma ciência exata para se determinar o que fazer. Seja qual for a decisão do técnico, provavelmente ele será criticado se perder o jogo, e elogiado se vencer. É como dizem: “prognósticos, só no fim do jogo!”.

Essa situação surgiu ontem no jogo da NBA entre Oklahoma City Thunder e Los Angeles Clippers. O armador dos Clippers e seu principal jogador e líder, Chris Paul, fez possivelmente uma de suas piores apresentações em quadra na carreira. Seu aproveitamento nos arremessos de quadra não atingiu nem os 15% (2 acertos em 14 tentativas), além de 4 perdas de bola. Ainda assim, nos momentos finais da partida, foi dele a responsabilidade de buscar a vitória. Observem no vídeo abaixo que havia uma opção viável de passe (Matt Barnes na diagonal direita), mas Chris Paul optou pela jogada individual e fez o arremesso em total desequilíbrio corporal (giro e fade away) e desperdiçou a chance de vitória na casa do adversário. É bom ressaltar que qualquer cesta (de um, dois ou três pontos) definiria a partida em favor dos Clippers.







Um jogador amadurecido deve ter discernimento e sensibilidade suficientes para perceber qual é de fato a melhor opção tática a ser executada. Há uma linha tênue que separa os heróis dos vilões. Ao técnico, cabe da mesma forma decidir e orientar o plano de jogo que conduza a equipe ao êxito, sem transferir a responsabilidade a terceiros.

E se você fosse o técnico, o que faria?

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Os Times que Mudaram o Jogo


Acabei de ler o livro “Dream Team” do jornalista americano Jack McCallum. O livro apresenta como subtítulo “O time que mudou o jogo”. Obviamente, o livro versa sobre a seleção americana de basquetebol dos Jogos Olímpicos de Barcelona em 1992. A cada capítulo, um universo bastante diferente de informações é destacado, e em função disso, cabe perguntar: eram eles atletas ou artistas? O que faziam exatamente nos Jogos Olímpicos? Declarações da época indicavam que o torneio de verão seria tratado como férias olímpicas. E pelo visto, foi isso mesmo. Não havia preocupação com jogos ou adversários (exceto a Lituânia), nada de horários rígidos para dormir ou se levantar, nada de fiscalização sobre as atividades noturnas, sociais e etílicas do grupo. Os chamados “dreamers” jogaram muito mais pôquer e golfe do que basquetebol na Espanha. Ainda assim, os adversários não fizeram nem sombra, sendo invariavelmente derrotados por uma média superior aos 40 pontos de diferença, o que denota o imenso distanciamento do esporte profissional americano do resto do mundo à época.

A concepção de time dos sonhos pode ser interpretada de várias maneiras. Penso que a participação de alguns jogadores como Larry Bird, por exemplo, deveu-se mais ao conceito de time dos sonhos do que o mérito da época. Pra se ter uma ideia, ao ser perguntado sobre a possível aposentadoria após os Jogos, Bird respondeu “Já estou aposentado faz tempo; vocês é que ainda não perceberam!”. Ele não tinha condições físicas de jogar devido a uma lesão lombar crônica. Mas isso não importava. Não haveria um time dos sonhos sem Larry Bird no elenco. Na verdade, este time mais parecia a reunião dos Três Mosqueteiros (Magic Johnson, Larry Bird e Michael Jordan) e D’Artagnan (Charles Barkley). Pelo menos, assim eles se manifestavam.

A entrada dos profissionais da NBA mudou um tanto quanto a ótica (hipócrita) do Comitê Olímpico Internacional acerca do impedimento da participação de atletas profissionais. Vários atletas de diferentes modalidades já eram profissionais do esporte há tempos, mas não recebiam esta alcunha. A partir disso, muita coisa mudou no cenário esportivo internacional. Contudo, a ideia de que o Dream Team modificou o jogo é para mim apenas parcialmente verdadeira. Acredito que outros dois times anteriores a este foram os responsáveis iniciais pela grande mudança do esporte: Brasil (Jogos Panamericanos 1987) e URSS (Jogos Olímpicos 1988).

Os Jogos Panamericanos surgiram em 1951 e os EUA ganharam ouro nas primeiras cinco edições do torneio de basquetebol. A primeira vez que isso não aconteceu foi em 1971, em Cali, por conta de um desempenho abaixo do normal. Em sua campanha, os EUA venceram o Suriname por 80 pontos de diferença, e o Brasil na prorrogação (81 x 79), mas perderam para Cuba (69 x 73), sendo eliminados pelos critérios de desempate ainda na primeira fase da competição. O resultado foi tão fraco que apenas três jogadores foram mantidos na equipe que veio a perder a controversa final Olímpica em Munique no ano seguinte. Cabe destacar que apesar disso, 17 dos 21 atletas destas duas competições tornaram-se profissionais da NBA ou da ABA. O Brasil sagrou-se campeão naquele ano. As três edições seguintes dos Jogos foram voltaram a representar a hegemonia do basquetebol norte-americano, com mais três ouros conquistados. Até que chegamos em 1987, em Indianápolis, considerada na ocasião uma espécie de “Capital Mundial do Basquetebol”.

A final colocava frente a frente os donos da casa e a equipe brasileira, comandada pelo técnico Ary Vidal, um dos principais estrategistas do basquetebol brasileiro. Na volta do intervalo, o Brasil perdia por 15 pontos de diferença e dava clara impressão de que a situação já estava decidida. No segundo tempo, porém, os arremessos certeiros de Oscar Schmidt e Marcel de Souza reverteram o resultado e definiram o placar do jogo: EUA 115 x 120 Brasil. Essa foi a primeira vez que o basquetebol americano foi derrotado em seu próprio país.




Um ano depois, os Jogos Olímpicos de Seul (1988) marcaram o retorno das nações polarizadas pela guerra fria e parcialmente ausentes nos Jogos de Moscou (1980) e Los Angeles (1984). EUA e URSS se encontraram nas semifinais, e apesar de novamente contar com um elenco repleto de futuros astros da NBA, os EUA perderam a chance de brigar pelo ouro: URSS 82 x 76 EUA, e precisaram se contentar com o bronze. Este time soviético formou a base da equipe da Lituânia em 1992, e, por esta razão, foi a única equipe em Barcelona a ganhar pequenas doses de preocupação do técnico Chuck Daly e sua trupe dos sonhos.





Até então, a geração de David Robinson vinha sendo marcada pelo fracasso nas competições internacionais. Muito embora haja um desdém da crítica esportiva americana acerca da derrota de Indianápolis (isso é muito evidente no livro de McCallum), o fato é que esse foi o primeiro sinal de que mudanças eram necessárias. A derrota em Seul, por sua vez, deu tons claros aos criadores do basquetebol de que a modalidade já não estava mais sob seu domínio. Foram vencidos em 1987 por um time que jogou melhor, mas em 1988, foram vencidos por time efetivamente melhor! As reuniões entre Boris Stankovic (FIBA) e David Stern (NBA) não poderiam ocorrer em momento mais propício. Stankovic queria elevar o basquetebol internacional ao nível dos profissionais americanos; Stern queria aumentar a visibilidade (e garantir mais lucro) à NBA; e os EUA haviam perdido as duas últimas competições disputadas com seus atletas universitários.

Não vou me ater a falar aqui sobre o indiscutível impacto que o Dream Team causou no esporte como um todo (penso que não apenas no basquetebol), pois preferi dedicar este espaço para enaltecer outros responsáveis pelas mudanças ocorridas no basquetebol internacional e que não podem ser esquecidos pela história.