terça-feira, 23 de outubro de 2012

Como Utilizar as Estatísticas de Jogo


Nos dias de hoje, não se acompanha mais o esporte sem as estatísticas de desempenho de atletas e equipes. Contudo, quem começa a ler essas informações deve atentar para o contexto em que elas são apresentadas. Analisar simplesmente os números frios, pode ser uma forma inadequada de se avaliar a performance esportiva. Além disso, nenhum dos fundamentos deve ser analisado sem estar atrelado aos outros. Entenda que durante a partida um evento é influenciado pelo anterior, de modo que um rebote (ofensivo ou defensivo) depende da forma como o arremesso foi executado.  Assim, ao valorizar um bom número de rebotes ofensivos de sua equipe, lembre-se de que há proporcionalmente um relativo número de arremessos errados.

Nos EUA há muito tempo acredita-se no fenômeno da hot hand, que parte do princípio de que a chance de se acertar um lance livre após um acerto anterior é maior do que após um erro. Alguns estudos bastante interessantes foram realizados (1-3) e suas análises contestando ou ratificando esta teoria servem de bons exemplos para entendermos o quão complicado é acompanhar a performance esportiva com base nas estatísticas do jogo.

A maior lição que deve ser aprendida é o fato de que o scout de um jogo ou a performance recente de uma equipe não têm poder de prever o que pode vir a acontecer na partida seguinte. Em suma, a estatística explica o passado, mas não prevê o futuro. Se fosse assim, ao invés de entrar em quadra para disputar a bola, seria suficiente apresentar um card com as estatísticas da equipe na última temporada e comparar com os dados do adversário, como num jogo bem popular de minha infância, o Super Trunfo, que comparava carros de turismo, de fórmula 1, caminhões, motos, lanchas, aviões e até balões, pelas suas descrições técnicas (cilindradas, empuxo, velocidade máxima, etc). Vencia a disputa quem tivesse os valores mais altos do item escolhido.

O uso da estatística no esporte no Brasil ainda tem sido mal explorado e mal interpretado.  Há um pouco mais de 20 anos, surgiu uma proposta de representação gráfica do desenvolvimento do jogo  (4). No exemplo abaixo, as equipes do Los Angeles Lakers e Seattle Supersonics faziam em Seattle o jogo nº 6 dos play-offs da Conferência Oeste da NBA em 1989. Pelo gráfico, pode-se notar que o time da casa liderou o placar durante quase todo o tempo, perdendo a liderança apenas nos últimos 6 minutos de jogo. A diferença entre as equipes chegou a ser de confortáveis 28 pontos em favor do Sonics. Mas, se olhássemos as estatísticas isoladamente, não teríamos condições de observar adequadamente o desenrolar do jogo.  





Vamos a outro exemplo. Nos Jogos Olímpicos de Londres 2012, o encontro entre Espanha e Grã-Bretanha terminou com estas estatísticas abaixo.

Espanha
Fundamento
Grã-Bretanha
49%
2 pts
49%
24%
3 pts
38%
66%
Lances Livres
69%
22
Assistências
12
15
Rebotes Ofensivos
10
28
Rebotes Defensivos
26
3
Roubadas
4
6
Tocos
1
13
Erros
13
0,88
Eficiência Ofensiva*
0,93
                               *pontos por posse de bola

O placar do jogo não foi apresentado aqui propositalmente. Se olharmos alguns dos dados acima, poderemos concluir que a Grã-Bretanha saiu vencedora do confronto, ao considerar os percentuais de aproveitamento de arremessos de quadra e lances livres, o maior número de rebotes em disputa (indicativo de maior quantidade de arremessos errados pelo time visitante) no garrafão britânico (41 vs 38) e, por fim, a maior eficiência ofensiva dos anfitriões. No entanto, a Espanha teve 90 posses de bola (78 pontos) e a Grã-Bretanha teve apenas 84 (72 pontos), ou seja, o placar final do jogo difere do que estas estatísticas acima nos fazem acreditar.

Todo treinador precisa ter seus jogos filmados para poder analisá-los não apenas sob o manto descontextualizado das estatísticas, mas também sob uma ótica de análise de jogo de forma mais completa, associando o scout às variações da pontuação entre as equipes, ao ritmo de pontuação, assim como às tomadas de decisão de seus atletas. E mais, não confie na memória! Filme o jogo, assista-o fazendo anotações e depois acompanhe suas notas com os dados descritivos do estatístico. Quanto mais informações você tiver, mais feedback terá a dar a seus atletas e melhor será sua programação de treinos.


Referências

  1. Gilovich, T.; Vallone, R.;Tversky, A. The hot hand in basketball: on the misperception of random sequences. Cogn Psychol, v. 17, p.295-314, 1985.
  2. Wardrop, R.L. Simpson´s paradox and the hot hand in basketball. Amer Stat, v. 49, n.1, p. 24-8 , 1995.
  3. Yaari, G.; Eisenmann, S. The hot (invisible?) hand: can time sequence patterns of success/failure in sports be modeled as repeated random independent trials? PLoS One, v.6, n.10, p.1-10, 2011.
  4. Westfall, P.H. Graphical presentation of a basketball game. Amer Stat, v.44, n.4, p.305-7, 1990.


2 comentários:

  1. Muito bom o texto, é cesta! fiquei abismado em ver como esses dados da estatística do jogo entre espanha e grãbetanha induzem a uma vitória da segunda equipe.acho importante ressaltar para os leitores que, por ventura, não são do mundo do basquete que o time da casa na NBA é o último apresentado no placar; no exemplo a cima o SONICS. Lembro isso porque como não sou oriundo do basquete, por muito tempo, quando assistia os jogos da NBA, fiz confusão quando se referiam ao time da casa ou ao time visitante!
    parabéns pelo texto!!

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  2. Oi, Marcos

    Bom texto, é importante entender que a estatística é uma feramenta de auxilio ao trabalho, ao planejamento e diagnósticos da situação com a finalidade de produzir correções e reforço para tomada de dicisões.

    Assim a estatísitcas de uma partida de um determinado esporte serve para a propria equipe fazer avaliações do seu desempenho para futura correções, entender os pontos forte e fracos que precisam ser atacados.

    MAIS NÃO É PARA DISPUTAS DE UM CAMPEONATO DE ESTATISTICAS

    Um abraço

    Ailton Oliveira

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