O esporte
brasileiro está prestes a mostrar ao mundo seu valor. Logo após o fim da
epopeia londrina, precisamos focar em definitivo nos megaeventos esportivos que
vamos organizar ao longo do próximo ciclo olímpico. Enquanto esperamos a
conquista de medalhas e performances expressivas em Londres (2012) e no Rio de
Janeiro (2016), existe um outro lado do esporte brasileiro que não aparece na
mídia esportiva nacional. Uma realidade bem diferente e incoerente com as
intenções de trazer os Jogos Olímpicos e Paralímpicos para nossas terras a fim
de, entre outras coisas, fomentar a prática do esporte em todas as suas
dimensões (sócio-educativa, lazer ativo, promoção de saúde e qualidade de vida,
alto rendimento e entretenimento popular). Quando nos afastamos dos grandes
centros do país, o que observamos é a total disparidade entre as honrosas
conquistas e demonstrações de superação de nossos atletas olímpicos e
paralímpicos e aquilo que se propõe e que se pratica nas demais regiões.
Vou dar o
exemplo do basquetebol sergipano. Quando cheguei aqui em Aracaju, em 2006, para
ser professor da Universidade Federal de Sergipe, não tinha planos de voltar a
trabalhar com esporte. Mas, no ano de 2008, exatamente uma década afastado da modalidade, me deparei
com a inevitável situação de assumir a disciplina Metodologia do Basquetebol na
UFS. Paralelamente, resolvi aceitar o convite de alguns alunos e assumi a direção
da equipe universitária de basquetebol. De início, a ideia era apenas a
participação nos Jogos Universitários Brasileiros, mas logo veio o interesse de
participar de outras competições, como o Campeonato Estadual Adulto.
No dia da estreia no Estadual,
me senti constrangido quando o árbitro principal da partida veio a mim e
solicitou o pagamento da taxa de arbitragem antes que a partida se iniciasse. O
pagamento era feito ali na quadra, na frente de todo mundo. Parecia que
estávamos pagando propina aos árbitros! Durante os anos em que fui atleta e
técnico no Rio de Janeiro, nunca passei por situação similar. As taxas de
arbitragem eram pagas ao final do mês pelo clube, contabilizando o número de
partidas disputadas em cada faixa etária e em função das categorias dos árbitros.
Mas aqui em
Sergipe não existem clubes participando dos campeonatos, e quem faz o esporte
de base são as escolas. Algumas delas...aliás, somente quatro escolas
participaram dos campeonatos estaduais de base este ano. A Federação Sergipana de Basketball (FSB) tem apenas três filiados, sendo uma escola e dois clubes, mas estes clubes não oferecem o basquetebol em sua grade de atividades aos sócios. Em
um deles inclusive, o teto do ginásio desabou em 2006 e nunca mais foi
restaurado. É difícil administrar o esporte se a Federação não tem arrecadação.
E em função da ausência dos clubes, para organizar a tabela do campeonato, a FSB
precisa contar com a nem sempre possível disponibilidade de quadras em escolas,
no Sesc/Sesi ou no Ginásio Estadual (enorme e sempre vazio para nosso público).
Os jogos acontecem em rodada única, todos na mesma quadra. Não temos jogos
ocorrendo concomitantemente em vários ginásios. Isso afeta até o número de árbitros
no quadro da Federação. Não adianta ter árbitros demais se os jogos são raros.
Apesar da FSB
ser a única federação esportiva aqui no Estado com toda sua documentação em dia
(mérito do atual presidente, um especialista em contabilidade), a captação de
recursos via patrocinadores tem se tornado escassa. Assim, se não há recursos,
não há como haver muitos jogos. Vejam só a situação:
Campeonato
Estadual Sergipano 2012
|
|||
Categoria
|
Equipes
Participantes
|
Total
de Jogos Previstos
|
Partidas
Disputadas pelo Campeão
|
Sub-15 Feminina
|
2
|
Melhor de 5 partidas
|
3
|
Sub-17 Feminina
|
3
|
3
|
2
|
Sub-15 Masculina
|
6
|
10*
|
4
|
Sub-17 Masculina
|
5
|
10**
|
4
|
*Um
dos jogos foi WO;
**Houve um WO e por isso outras
duas partidas não foram realizadas.
Pois é. Além
de não termos campeonatos sub-13 e sub-19, a quantidade de jogos disputados
pelos nossos times é absurdamente baixo. Claro que não é só isso. As equipes
também disputam jogos escolares (pelo menos três outras competições no ano),
mas em geral com adversários muito inferiores e com regulamento adaptado por
razões financeiras (tempo de jogo de quatro períodos de 8 minutos corridos,
por exemplo). Fica complicado fazer com que nossos técnicos, atletas e árbitros
se desenvolvam adequadamente com esta situação.
Em relação à
categoria sub-19, as escolas só jogam até a sub-17, e como não temos clubes,
quando o atleta chega aos 18 anos, não tem mais onde jogar. No campeonato
adulto, nenhum clube oficial participa. Eventualmente alguma escola resolve
participar, às vezes com atletas demasiadamente jovens para este tipo de
torneio. Os times são criados entre amigos que pagam do próprio bolso a confecção
dos uniformes e a taxa de inscrição no campeonato, e ainda por cima, a FSB condiciona
a participação da equipe à presença de um técnico. Ou seja, os raros que se
habilitam à função, têm que trabalhar de graça, pois não há perspectiva de receber
salário.
Há pouco tempo
atrás, pensei em criar um projeto de extensão na UFS para viabilizar a detecção
de talentos esportivos. Mas, se encontrar um jovem com potencial esportivo
interessante, vou encaminhá-lo para onde se não temos clubes? Acho que o papel
do esporte escolar é meramente a detecção de talentos, não sua promoção ou
desenvolvimento. E não creio que possamos desenvolver talentos fazendo uma meia
dúzia de jogos ao ano.
O pior de tudo
é saber que esta realidade não é exclusividade nem do basquetebol e nem mesmo do
Estado de Sergipe. Esse foi só um exemplo para mostrar a cruel realidade que o
país dos próximos Jogos Olímpicos terá que enfrentar.
Marcos e pessoal aqui do Blog! Primeira vez que me manifesto aqui, apesar de estar sempre acompanhando as postagens. Parabenizo vc e tua equipe pelas excelentes postagens e por estarem socializando essas reflexões (e muitas vezes denúncias!) conosco. Cliquei no "concordo" em relação à postagem. Acho que nossa experiência no Nordeste, ou melhor, num estado considerado "periférico" em relação à cultura esportiva do alto rendimento ou mesmo de cultura clubística mostra que o Brasil, como sede das próximas Olimpíadas, ainda precisa pensar (e agir) e muito para que o eixo RJ-SP não sejam apenas os grandes centros de preparação de atletas de nosso país. Deveríamos saber usufruir melhor das características peculiares de cada região brasileira... sol... praia... mar.. montanhas... enfim! Governo, e principalmente a iniciativa privada, deveriam se preocupar mais com isso - e não deixar tudo sobrecarregar o espaço escolar, ou, no nosso caso, a Educação Física escolar, sempre vista como a "culpada" nessas horas de Jogos Olímpicos, em que as medalhas custam a chegar aos brasileiros. Será que a cobrança da sociedade é justa perante o auxílio e a atenção que se dá aos nossos atletas? Será que muitas empresas não são oportunistas nessas épocas, só vinculando sua marca à propagandas que enaltecem os símbolos e valores verde-amarelo? Tua reflexão sobre o basquete em Sergipe é só mais um exemplo do que acontece nos mais variados rincões do Brasil...
ResponderExcluirOlá Cristiano!
ExcluirObrigado pela visita ao É Cesta!
Seu comentário é extremamente pertinente! Muita gente não faz ideia do ocorre fora do eixo central do país, além disso vivo lendo e ouvindo opiniões de que a escola seja o local para o desenvolvimento do esporte. Será que é? Tomara que o texto ajude a alimentar debates, reflexões e principalmente ações criando políticas públicas verdadeiras para o desenvolvimento esportivo brasileiro.
Forte abraço!
Olá!
ResponderExcluirParabéns pela análise atenta do basquetebol sergipano. São reflexões localizadas, mas que se encaixam em diversas realidades, inclusive para situações específicas de Estado do sul ou sudeste. Mesmo ciente de tudo isso, acredito piamente na escola como um dos principais locais para o desenvolvimento do esporte em todas as suas dimensões.
Abrçs
Quéfren
Parabéns, Kiko! Mais um texto sensacional.
ResponderExcluirPois bem! Essa é uma velha situação vivida por quem cresceu jogando o basquete sergipano. Aquela ansiedade e frio na barriga pra jogar 3 jogos no fim do ano. Dedicação pra melhorar e ganhar uma medalhinha de latão e ver sempre as mesmas caras da FSB dizendo na TV que essa situação é a ideal.
Concordo que a renda pra promover uma competição de qualidade tenha de ser originada de clubes e patrocinadores e que em Sergipe não existe nenhum dos dois pra ajudar o basquete. Mas em pelo menos 13 anos (senão forem mais) de atuação dos atuais administradores da FSB, nunca vi uma atitude pra tentar estimular a existência de clubes ou patrocinadores. Essa é a função do cargo deles, se acham impossível ou não sabem fazê-la, saiam! Se o terreno é desfavorável para atuação da federação, os encarregados por ela devem ao menos torná-lo favorável. O problema é que sempre pareceu estar estampado na cara deles a satisfação com a situação do basquete sergipano.
E também concordo que isso acontece em diversos esportes. Mas também sei que em muitos desses esportes o problema é o mesmo. Incompetência ou falta de ação administrativa!
Kiko meu querido amigo, aqui no Rio de Janeiro o pagamento da arbitragem é em cash na beira da quadra antes do jogo também, hehehehehe. Um abismo entre o esporte e a finalidade, gestão política, treinadores políticos, enfim, nos resta saber que existe um Kiko ali, outro aqui porque senão já tinha acabado.
ResponderExcluirFique com Deus